Apostilas em PDF – Das Sobras do Pajuçara ao Topo do Serviço Público

Daniel Luiz de Souza nasceu para aprender a transformar cicatrizes em mapas. Em Chico Mendes , periferia de Recife, a geografia da infância media-se em dois vãos de alvenaria crua: num, a cozinha improvisada, a sala inexistente e o lençol que fingia ser porta; noutro, a única cama onde dormiam mãe e três filhos – céu aberto quando a chuva atravessava telhas furadas de brasilit e descia em pingos dentro de panelas. Nem banheiro havia: a dignidade, ou ausência dela, precisava ocorrer do lado de fora de casa. 

A mãe, Marleide, sustentava o lar fazendo faxina na casa de amigos e parentes. Com a quinta série incompleta, compensava a falta de letras com um excesso de fé. Certa manhã, vendo o caçula sair para o IFPE, chamou-o em lágrimas e apontou para a casa sem reboco: “Filho, só pude te dar isto. Mas Deus há de te dar muito mais. Só não te esqueças d’Ele.” Daniel guardou a cena como quem grava um voto de sangue.

Ainda faltava o tempo da desesperança, quando o adolescente largou a escola, virou flanelinha na churrascaria Pajuçara e trocou cadernos por moedas de compaixão. À noite, levava para casa as sobras que fregueses embalavam em dó. Dois anos escaparam assim, até que a igreja evangélica o achou no meio-fio e o replantou noutro ambiente: cultos regados a leitura, líderes que falavam em concurso público, professores que ensinavam a colocar vírgulas e sonhos no lugar certo. Ele voltou ao colégio, engoliu livros velhos comprados por um real no sebo, passou no curso técnico de Segurança do Trabalho do IFPE e sentiu, pela primeira vez, o cheiro de página nova.

Mas a vida não gosta de narrativas retas: na véspera do vestibular de Direito, a mãe pediu um abraço de despedida antes dele ir fazer a prova. Daniel voltou da prova e encontrou-a sobre a cama, Bíblia aberta no peito, canal da igreja ligado, o coração silenciado por um infarto aos 59 anos. Pela manhã seguinte concluiu a segunda etapa do vestibular – promessa ao corpo ainda quente de que jamais desistiria. Enterrou a sua mãe à tarde!

O luto trouxe um quarto vazio e o medo de morar sozinho na casa sem portas. A comunidade da fé abriu-lhe outra porta: durante meses morou de favor com o pastor Elmir Ribeiro, depois o Ev. Luciano Dionisio lhe deu a oportunidade de morar num imóvel cedido pela igreja, onde estudava à luz fraca e dividia a fome com a esposa recém-casa. Quando o dinheiro acabou, viveu com R$ 60 por semana limpando banheiros do templo. O almoço muitas vezes era fígado de galinha; noutras, mortadela com farinha – refeição que escorria em lágrimas sobre o prato.

Mesmo assim não largou as apostilas. Passou na Guarda Municipal do Recife: 1.300 vagas, ficou na 190ª posição. O primeiro contracheque – quase R$ 3.000 – pagou uma mesa no Pajuçara. Sentado dentro do restaurante onde pedira esmolas, Daniel devorou o prato e o passado de uma só vez. Cinco anos depois, já formado em Direito, aprovado na OAB e com a esposa realizando o sonho da Medicina, pediu exoneração. Queria saltar mais alto: Polícia Rodoviária Federal.

Veio a pandemia, a gravidez da esposa, o desemprego e as contas: arriscou tudo na PRF, já como aluno da plataforma do Gran. Estudava das oito da manhã à uma da madrugada, cronômetro na mesa. Deixou física e raciocínio lógico em branco, entre outras matérias foram 18 questões. A ele só restava 102 questões para resolver a sua vida! Dessas errou apenas 8 questões, dessa forma, cravou 86 pontos líquidos nas demais matérias. Foi aprovado!

Parecia o fim da novela – mas a filha nasceu e veio o diagnóstico: autismo nível 2, não verbal. A PRF exigia plantões; as terapias exigiam presença. Adoeceu da alma, afastou-se do cargo, descobriu o próprio autismo. Chorou nos corredores das clínicas, mas estudava nas salas de espera: tablet na mão enquanto a filha fazia fonoaudiologia, código de trabalho aberto no celular durante a sessão de psicomotricidade.

Quando o edital do Concurso Nacional Unificado anunciou 900 vagas para Auditor Fiscal do Trabalho, Daniel enxergou ali a interseção exata de vocação, estabilidade e tempo para cuidar da filha. fechou planilha de estudos, cronometrava cada pausa: se levantava da cadeira, o timer parava. Revisou a decisão do STF sobre gestantes em ambientes insalubres – tema que caiu na redação – e sorriu dentro da sala ao abrir o caderno de prova. Fez 82,95% de acerto líquido, tirou na 17/20 na dissertação, fechou a parte do conhecimento específico da redação. Hoje aguarda a nomeação, que deve ocorrer por este meses , além do excelente salário, carreira no topo do serviço público, tarefa de proteger direitos que ele próprio perdeu na infância e em diversos momentos da vida.

Daniel não fala de milagres fáceis. Prefere repetir a lição que aprendeu varrendo o templo: “Chore, mas não largue a vassoura.” Ele sabe que o menino que dormia em cama compartilhada caberá para sempre em algum canto do peito – lembrando-o de que cada inspeção trabalhista, cada multa justa, cada estatística que melhore o Brasil é também uma porta de banheiro construída numa casa que um dia não teve nenhuma.

Se você, leitor, está engolindo a própria derrota – seja a demissão, o diagnóstico, a pobreza que insiste – ouça Daniel: a dignidade não mora no endereço onde você nasceu, mas na distância que está disposto a percorrer. Tijolo por tijolo, moeda por moeda, página por página. Porque, como ele descobriu, até o menor dos flanelinhas carrega nas mãos a chave de um restaurante iluminado – basta não desistir de atravessar a rua. 

Daniel foi aluno do Gran e ilustra como, aqui, aprovamos gente real, com histórias reais e das mais diversas origens. Tenha certeza: o próximo nomeado pode ser você. O edital do CNU 2025 acabou de sair, então aproveite e estude com quem vivencia de verdade, todos os dias, o lema em que acredita: todo mundo pode.

Gabriel Granjeiro – CEO e sócio-fundador do Gran. Reitor e professor da Gran Faculdade. Acompanha de perto o universo dos concursos desde muito cedo. Ingressou nele, profissionalmente, aos 14 anos. Desde 2016, escreve artigos semanalmente para o blog do Gran. Formou-se em Administração e Marketing pela New York University Stern School of Business. Em 2021, foi incluído na prestigiada lista da Forbes Under 30. Autor de 4 livros que figuraram entre os best-seller da Amazon Kindle.

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